O fim do apoio do Estado ao ensino não público reduz objetivamente a qualidade da nossa democraia. E prejudica as famíias portuguesas. O processo legislativo que levou à aprovação do diploma do governo mostra bem a degradação do nosso sistema político. E o PSD, que tem a dizer?
1. O processo que culminou na alteração do apoio estatal ao ensino não público não é uma história feliz para a nossa democracia. Democracia é - também - reconhecer a liberdade de escolha dos cidadãos: permitir que as famílias possam optar pelo tipo de ensino a proporcionar aos seus educandos. Ora, uma medida que reduz o apoio do Estado ao ensino não público produz um efeito evidente: encarece o custo da sua frequência, afastando uma parte significativa da classe média, sobretudo no tempo de crise em que vivemos. Nem se diga que esta situação é idêntica à opção entre utilizar transporte privado ou transporte particular: este argumento é pouco sério (como aliás todos os que a esquerda agita quando sente a necessidade de provar que, afinal, a sua ideologia ainda vive). Desde logo, porque, no caso do transporte individual, as famílias podem fazer uma gestão semanal do custo associado ao transporte: numa situação mais folgada, utilizam transporte individual; numa situação de mais aperto, recorrem ao transporte público. Tais custos são mensuráveis e flexíveis. Diverso é o caso da escolha de ensino: uma família que inscreva um aluno no ensino não público, porque entende que essa é a solução que melhor serve o interesse do seu educando, não pode mudar a meio do período: alguém poderá defender que a criança ou o adolescente frequente o ensino não público em Outubro, depois em Dezembro muda para o ensino público; volta a iniciar o período no ensino não particular e termina o ano no ensino público? Alguém poderá seriamente afirmar que isto é viável? Convém, ainda, não esquecer a razão pela qual muitos pais colocam os seus filhos no ensino não público. Não é pelo snobismo social, como a esquerda caviar - de que o Daniel Oliveira é um excelente exemplo - pretende fazer crer. Pelo contrário, são razões muito legítimas. Quer um exemplo? Os alunos com necessidades especiais, que precisam de um acompanhamento individualizado para obter sucesso escolar - ora, a escola pública, face à massificação e ao elevado número de alunos que tem, não consegue responder a esta necessidade. E sabem o que o Ministério da Educação - que agora se arvora em grande defensor da escola pública - fez? Reduziu o apoio a ensino especial; reduziu o número de psicólogos nas escolas; desmotivou os professores, porque um sistema em que o muito bom recebe o mesmo que o muito mau é um sistema condenado à partida. Como vê, as famílias portuguesas não vivem com os clichés e os preconceitos da esquerda caviar - que vive em permanentes efabulações teóricas, ideológicas - e não faz a mínima ideia da vida prática, concreta, real dos portugueses.
2. Ademais, o processo legislativo de tal revogação foi elucidativo do estado de degradação a que chegou o nosso sistema político. Recordo que o Presidente Cavaco Silva manifestou a sua discordância com a solução legislativa - mas acabou por promulgá-la, alegando que conseguiu introduzir significativas alterações ao projeto inicial (o que, desde logo, surpreende, pois não cola com a imagem formalista de Cavaco Silva - se há poder que a Constituição não confere ao PR em circunstância alguma é o legislativo: se ele é tão escrupuloso no cumprimento da CRP, como é que introduziu alterações legislativas a um diploma do governo?). E o governo, com medo que o Presidente vetasse o diploma, lá cedeu - consta! - às exigências presidenciais. Ou melhor, deu a aparência de recuo. Porquê? Porque o governo fez um chico-espertice, habitual no governo José Sócrates, que tem de ser denunciada: no decreto-lei, consagra-se uma determinada solução legislativa e retira-se artigos a pedido de Cavaco Silva: afinal de contas, é o Presidente da República que promulga (e sem promulgação não há lei). Mas, depois, no regulamento - que deveria limitar-se a regular o decreto-lei - acrescenta-se aquilo que se havia retirado e contraria-se os princípios legais! Porquê? Porque os regulamentos não estão sujeitos a promulgação do Presidente, nem podem ser apreciados - muito menos modificados - pela Assembleia da República! É a roda livre total do governo! Ora, seria muito interessante que alguém suscitasse junto dos tribunais administrativas a ilegalidade do regulamento sobre os contratos de associações - julgo que há ilegalidades. Aliás, o próprio Cavaco Silva já o deu a entender: lembram-se numa acção de campanha, o PR ter-se dirigido a um grupo de manifestantes do SOS ensino e afirmar que o regulamento não é da sua responsabilidade e que contraria o que diploma que ele havia promulgado? Ora, se o regulamento contraria o diploma que promulgou, Cavaco Silva reconheceu que o regulamento é ilegal!
3. A concluir, uma breve nota sobre o posicionamento político do PSD nesta questão. Então, o PSD de Passos Coelho não era o grande defensor da liberdade económica, da liberdade de escolha dos cidadãos? Na educação, na saúde? Estarei enganado ou foi este PSD que propôs uma revisão constitucional no sentido da privatização do ensino? Tanta conversa, tanta conversa - para agora, perante um caso concreto de restrição da liberdade de escolha dos cidadãos, o PSD Passos Coelho calar-se. Boa: quando se trata de mudar a Constituição, que não altera em nada a vida das pessoas (digo isto com muita pena, visto que o direito constitucional é a minha área de estudo preferencial, mas também é um sinal do estado a que chegámos), o PSD excita-se, grita, faz barulho contra os conservadores da esquerda; quando se trata de uma lei que muda (e muito) a vida dos portugueses, o PSD cala-se. Das duas, uma: ou a revisão constitucional foi mesmo uma brincadeira para nos entreter antes dos mergulhos de verão; ou o PSD quer mesmo a privatização total do ensino. Nenhuma das duas é uma opção animadora. Registamos. Curioso, seria ainda saber o que faria o governo PSD: Passos Coelho, com a sua doutrina CDS whatever it takes, fica numa situação delicada: Paulo Portas já manifestou a sua total oposição ao diploma que altera os termos dos contratos de associação. Prevalecerá no potencial próximo governo a posição de Passos Coelho ou de Paulo Portas? E quem vota PSD, vota pelo diploma (PSD) ou contra o diploma (CDS)?
P.S - Ontem, o governo esteve presente numa série de inaugurações de escolas, realizados pela empresa pública Parque Escolar. Independentemente de questões pertinentes que se possam colocar sobre o procedimento pré-concursal adoptado em muitas das obras, eis um exemplo de aposta na educação que enalteço. Vale muito mais do que TGV's e aeroportos. Mesmo em tempos de crise, nunca se poderá prescindir de investir no futuro, ou seja, investir na educação.Pena é que não se aposte na valorização do capital humano das nossas escolas... Expresso
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