segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Hospital paga por médica negligente

Depois de oito anos em tribunal, o Hospital Maria Pia, no Porto, foi condenado a pagar uma indemnização de 400 mil euros à família de uma criança que ficou deficiente devido à negligência de uma médica. A família ficou satisfeita com a sentença, mas teme que a unidade hospitalar não pague a indemnização.

O processo arrasta-se nos tribunais desde 2003, mas o caso remonta a 2001. Carlos e Patrícia Pereira, residentes na Póvoa de Varzim, tiveram de ir com o filho Sérgio, na altura com dois anos, ao hospital pediátrico do Porto, visto ser "o único com especialidade de otorrino". O menino, que tinha crise respiratória, foi visto pela médica Carolina Serôdio, mas esta ignorou os sintomas.

A especialista pensou na hipótese de o menino ter uma papilomatose, tumor benigno na garganta, como se veio a confirmar posteriormente, mas não pediu o exame crucial. Depois, marcou nova consulta, para daí a 11 meses. Porém, cinco meses depois da primeira consulta, Sérgio piorou e entrou em coma. As sequelas cerebrais com que ficou são, ao que tudo indica, irreversíveis. Hoje, o menino tem 12 anos e está totalmente dependente de outros.

Inicialmente, os pais do menino queriam processar a médica, mas "já tinha passado o prazo de seis meses para ela ser condenada pelo Ministério da Saúde". Foi então que entraram com um pedido de indemnização de 677 mil euros. "Por danos morais aos pais e danos do Sérgio, até aos 70 anos, como idade máxima de um homem", explicou Carlos Pereira.

Na passada sexta-feira, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto condenou o hospital a pagar uma indemnização de 400 mil euros.

A médica não foi condenada porque estava ao serviço daquele hospital público. Continua a exercer funções. "Ficámos descansados quando eles foram condenados. Foram dez anos de sofrimento", desabafou o pai de Sérgio.

O facto de a sentença poder ser alvo de recurso não descansa a família. "Se tiverem um bocado de consciência não põem recurso, que isso é brincar com a vida de uma criança. Se eles baixarem, eu recorro", atirou Patrícia. Se o dinheiro for entregue na totalidade, os pais vão gastá-lo no menino. "E não é suficiente para os danos que causaram no Sérgio", lamenta.

CEGO DE SANTA MARIA RECEBEU 246 MIL EUROS

Antes desta sentença, a maior indemnização paga em Portugal por negligência médica eram os 246 mil euros recebidos em 2010 por Walter Bom, de 48 anos, um dos seis doentes que cegaram após uma intervenção no Hospital de Santa Maria, em Julho de 2009.

O caso não foi a tribunal, porque o hospital aceitou constituir uma comissão de acompanhamento, presidida pelo juiz Eurico Reis, que em apenas oito meses estipulou as indemnizações a atribuir.

DISCURSO DIRECTO

"É UM SINAL DE QUE AS COISAS ESTÃO A MUDAR": Eurico Reis, Juiz-desembargador

CM – Como comenta esta indemnização recorde?

Eurico Reis – As indemnizações em Portugal são muito baixas, e isto é um sinal de que as coisas estão a mudar.

– Mas o processo durou dez anos...

– São processos complexos em que se tem de provar o nexo de ligação entre o acto praticado e as consequências. E temos um Código de Processo Civil desnecessariamente complicado, com artigos a mais. Enquanto não houver coragem para arranjar um código com 200 artigos, vai demorar estes anos todos.

– Estes casos não têm prioridade?

– Não. E na formação dos juízes não se ensina a gerir a agenda. As pessoas são ensinadas a olhar para os processos como mais um caso, e não vêem a situação concreta, embora haja juízes que o façam.

– A ideia de criar uma comissão arbitral para estes casos no Serviço Nacional de Saúde avança?

– Foi bem acolhida pela ministra da Saúde, Ana Jorge, mas agora o País não tem dinheiro. CM

Sem comentários:

Enviar um comentário