Vou dar-vos a conhecer minha amiguinha e vizinha Vitória.
Exames devido a uma crise compulsiva aos 18 meses, detectam-lhe "Disléxia". Até aos 10 anos de idade mais uma dezena dessas assustadoras crises convulsivas. Mãe sempre vigilante. Dormir impensável. Sempre com olhos e sentidos bem atentos. Sua filha poderia a qualquer momento voltar a ter os malditos sintomas e lá vinham as convulsões. Sintomas esses já bem conhecidos: falta de força, pele muito branca, sonolência ao ponto de cair a dormir em qualquer lugar e circunstância.
Fora esses problemas uma vida normal. Brincar, infantário e desconhecimento sobre sua doença. Pais aos poucos e com palavras adequadas sempre a foram tentando informar sobre dislexia. Hoje nota-se que sabe o que tem, o que sente, mas felizmente a inocência continua.
DEIXO ABAIXO UMA PEQUENA PERSPECTIVA DA VITÓRIA SOBRE SEU MUNDO
QUANDO TIVESTE A NOÇÃO QUE TINHAS DISLEXIA?
Aos 7 anos. (agora tem 13) Notei que trocava as letras. Conseguia ler, mas depois tinha dificuldade em passar para o papel o que lia.
SENTISTE ALGUMA VEZ DISCRIMINAÇÃO POR PARTE DOS TEUS COLEGAS NA ESCOLA OU DOS PROFESSORES?
Nos primeiros anos sim. Principalmente pela parte dos meninos. Chamavam-me a todo o minuto de "burra", mandavam-me ir para a 1ª classe e diziam não me queriam na turma deles.
Só tenho queixas de uma professora. Queixava-me das perseguições dos meus colegas, ela avisava-os, mas se voltasse a queixar-me outra vez ela ralhava era comigo. E também me culpava de não conseguir aprender. Nunca me senti protegida e á vontade com ela.
E DA SOCIEDADE?
Só de uma Senhora, num café, noutra terra. Eu não consegui contar o dinheiro e ela chamou-me burra. Aqui na Concavada todos me tratam bem.
O QUE SENTIAS NESSAS ALTURAS?
Na escola isolava-me num canto na hora do recreio e com uma pauzinho fazia figuras na areia. Chorava e não queria ir á escola. INTERROMPIA PARA LHE PERGUNTAR SE SENTIA REVOLTA, RAIVA...imediatamente e convincentemente disse-me prontamente que não. Seus olhos fixaram os meus, e perguntaram-me espantados porque é que haveria de ter raiva? Foi o que senti. Ainda bem que estes horríveis sentimentos não lhe ocupam tempo. Que seja assim sempre.
Sobre a professora não sabia que fazer, ficava triste, ela não era minha amiga.
Quanto á Senhora que a chamou burra, a Mãe foi falar com ela e com calma explicou-lhe o porquê de eu não saber contar o dinheiro. Senhora depois pediu desculpa.
O QUE SENTES POR SERES DISLÉXICA?
Instantaneamente e em voz firme respondeu "que era uma maldade". Gostava de ter capacidades para aprender como outros meninos.
QUAIS AS TUAS MAIORES DIFICULDADES?
Escrever errado, ler com dificuldades, decorar coisas, aprender, pois o que aprendo na escola de manhã á tarde já não me lembro, entender o dinheiro. Por exemplo: troco muito facilmente os, as, es, b, p e q. Quando escrevo ou leio palavras com estas letras, baralho-me logo. Se é "os" eu troco as letras. Para mim é "so" e não "os".
(dei-lhe a ler uma pequena frase, ficou em pânico e a recusar. Vi o quanto a envergonha e o medo e pavor de ler errado. Fiquei triste e tenho pena que o apoio que tem de uma equipa multidisciplinar não lhe tirem esse pavor e peso de cima. Sosseguei-a e disse-lhe que ela sabe que jamais a criticaria. Leu, mas sinceramente só a elogiei e não me interessou se leu bem ou não).
QUAIS OS TEUS SONHOS?
Ser enfermeira e conhecer Cabo Verde, a terra do meu Pai.
ESTE EPISÓDIO NO FINAL DA CONVERSA FOI DELICIOSO E COMOVENTE. QUANDO VIU QUE TÍNHAMOS ACABADO, NUM TOM TIPO OLHA QUE NÃO ACABAMOS! DIZ-ME: EU TENHO UMA AMIGA A SÉRIO. É A ÚNICA QUE ME ENTENDE. PARTILHAMOS TUDO. ADORO-A DE CORAÇÃO. ELA NUNCA ME CULPA DE NADA NEM ME CHAMA BURRA. TROCAMOS MUITAS SMS'S, BRINCAMOS, ELA ENSINA-ME E AJUDA-ME EM TUDO QUE PRECISO E MOVE MUNDOS E FUNDOS POR MIM. EU TAMBÉM GOSTO MUITO, MUITO DELA. É A DANIELA.
Vitória é acompanha por uma psicóloga desde os 4 anos, uma pedopsiquiatra há 2 anos e desde o 2º ano que estuda com professores do ensino especial.
Duas palavras, Eduardo: OBRIGADO pela partilha da foto (sempre adorei posts personalizados). E PARABÉNS pela partilha da ghistoria, que, sendo embora pouco feliz, talvez seja um quase alavancar na vida da amiguinha e decerto ela fica importante e feliz :9
ResponderEliminarENORME abraço para ti. Como sempre ecomo nao podia deixar de ser :)
Criei o blogue um pouco também para isso. Vivências, experiências, opiniões...e não somente descarregar noticias.
ResponderEliminarObrigado tu, Daniel.
Fica bem.
Edu,
ResponderEliminarÉ sempre triste ver a rejeição, pessoas não entenderem, não aceitarem, não saberem lidar com outras pessoas que fogem ao padrão.
Pior ainda foi a professora!!
Essa mocinha linda, com um coração puro, já sofreu bastante e sua mãezinha também. Graças a Deus, agora mora num lugar onde a tratam melhor. E tem a sorte de ser vizinha de alguém tão maravilhoso e bom como você!!
Um abraço,
Mônica
Rejeição e indiferença é muito duro. De certeza que ela nunca fazia ideia do porquê.
ResponderEliminarEla sempre morou aqui. Inclusive parece-me que é única menina de cor da nossa localidade e sempre aceitaram muito bem, também esse facto.
Obrigado pelo carinho, Mónica.
Fica bem.
Viva, Eduardo!
ResponderEliminarO link não tem nada a ver com o post, mas achei muito interessante, por isso aqui o deixo:
http://clix.expresso.pt/cadeira-de-rodas-conduzida-pela-respiracao=f598037
Abraço a todos.
Olá, Joaquim Simões!
ResponderEliminarJá conhecia a noticia. Publiquei-a dia 27/7.
Obrigado na mesma e fique bem.
Que história comovente, Eduardo!
ResponderEliminarO que podemos esperar de uma sociedade tão preconceituosa como a nossa.
Pelo que pude perceber, a Vitória não teve professores que se preocupavam com o trabalho diversificado em sala de aula. No caso de aluno disléxico, o professor precisa ficar atento e dar muita atenção, principalmente no que diz respeito ao bullying.
Assim como ela, muitas pessoas disléxicas foram duramente criticadas e no entanto, hoje, são celebridades. Como é o caso de Albert Einstein, Whoopi Goldberg, Joss Stone...
Tenho certeza que criatividade não deve faltar a Vitória e sem dúvida ela realizará seus sonhos.
Parabéns pelo post!
Abraços!
Também já foi há 11 anos. Acho que as coisas hoje são um pouco diferentes.
ResponderEliminarMas é realmente muito triste o preconceito, e neste caso por ignorância.
Fica bem.