Nos últimos anos os Governos gastaram à tripa forra e os portugueses, seguindo os sinais, acompanharam-nos alegremente. Eram tempos do crédito fácil, para o Estado e para os particulares.
Chegou então a crise e as economias mal estruturadas, como a nossa, levaram, (e estão a levar), um valente abanão, com uma taxa de desemprego brutal, sem que se vislumbrem melhoras, pelo contrário. Para segurar o barco foram precisas medidas, (dizem os entendidos, insuficientes e tardias), que se traduziram, resumidamente, em aumento dos impostos e redução de benefícios sociais.
E se muitos dos nossos concidadãos já começaram a sentir-lhe os efeitos, muitos mais, em breve, terão de rever os seus orçamentos mensais, apertando ainda mais o cinto. Isto para quem ainda tem margem para o fazer, porque muitas pessoas irão constatar, dramaticamente, que novas reduções no seu já curto rendimento disponível, começarão a situá-las numa realidade até aqui impensável, a impossibilidade de acesso a alguns bens essenciais, o limiar da pobreza.
Significa isto que as Instituições em que o Estado subsidiariamente delega muitas das suas funções sociais, vão sentir cada vez mais solicitações nas valências de que dispõem.
Destas Instituições, há que destacar as Misericórdias. Com centenas de anos ao serviço dos portugueses, na saúde e na assistência social, as quase quatro centenas de Misericórdias, espalhadas por todo o território nacional, são a primeira linha de apoio, (e em muitas localidades, a única), aos cidadãos mais desfavorecidos económica e socialmente.
Lares Residenciais, Lares para Dependentes, Lares para Deficientes, Centros de Dia, Apoio Domiciliário, Apoio a Mães Solteiras, Apoio a Vítimas de Violência Doméstica, Serviço de Refeições, Infantários, ATL’s, no apoio social, e Hospitais, Cuidados Continuados Integrados, Clínicas de Medicina Física e de Reabilitação, na saúde, são algumas das áreas em que as Misericórdias Portuguesas, garantem a larga dezenas de milhares de portugueses, condições condignas nas dificuldades que atravessam.
Empregando cerca de setenta mil pessoas, dirigidas por Homens e Mulheres de boa vontade, sem remuneração, eleitos pelos respectivos associados, dotadas de meios técnicos modernos e de meios humanos habilitados e dedicados, as Misericórdias constituem um pilar insubstituível para minorar as agruras de muitos Portugueses.
Mas as Misericórdias desempenham também um papel importante na economia nacional. Não só pelos fluxos de consumo de bens e serviços atinentes à sua actividade que contribuem para sustentar parte do tecido empresarial local, como na garantia de estabilidade dos postos de trabalho que lhes estão afectos.
Muita gente pensa que as Misericórdias são directamente financiadas pelos dinheiros do euromilhões, do totoloto, do totobola e das lotarias e portanto vivem desafogadamente.
Mas tal não corresponde à verdade.
A detentora e beneficiária das receitas dos chamados Jogos Sociais é uma entidade, que se chama, é verdade, Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, (porque tem associada a Irmandade de S. Roque), mas que nada tem a ver com as Misericórdias espalhadas pelo País.
Trata-se de uma espécie de super ministério em que os dirigentes, esses sim, remunerados, são nomeados pelo Governo.
O financiamento corrente das actividades das Misericórdias processa-se por acordos de cooperação com o Estado, (convém lembrar que desempenham funções que a este constitucionalmente cabem), pela comparticipação mensal dos familiares dos Utentes, conforme o serviço prestado, e no caso de reformados, por uma parte, legalmente estabelecida, da respectiva pensão de reforma. Contribuem ainda para o orçamento das Misericórdias os donativos, e a quotização dos seus associados.
Dito assim… parece que chega mas se tivermos em consideração, para além das despesas correntes, nomeadamente salários de trabalhadores que asseguram em muitas valências serviços 24 horas por dia, as necessidades de reparação e substituição de equipamentos e a manutenção e requalificação das infraestruturas, algumas, em muitas Misericórdias, quase centenárias, facilmente se percebe que só é possível proporcionar aos Utentes uma boa qualidade de vida e assistência, mantendo o equilíbrio orçamental, com uma gestão muito rigorosa.
De facto, as Misericórdias, agora mais do que nunca, por causa da crise económica e financeira, têm de ser geridas de acordo com regras empresariais, sem contudo perder de vista o papel que desempenham e a missão que historicamente têm vindo a cumprir, de servir os nossos concidadãos mais desfavorecidos económica e socialmente, especialmente em tempos difíceis como estes que vivemos.
Por Fernando Cardoso Ferreira (Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Setúbal)
Fonte: Setúbal na Rede
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